quinta-feira, outubro 19, 2006

"que nome te resta se eu já aí não estou para te chamar" - Al Berto

Já tentei apagar cem, mil vezes o teu nome. Em vão. Não sei se está preso no meu coração ou se é o coração que está algemado a ele. Não sei de onde veio, como veio, mas arrasta consigo mistérios de tristeza funda e as emoções mais virgens do gesto.
Como um estranho sortilégio, respira comigo, navega em mim, etéreo e insondável, gritando o silêncio arrastado pela nostalgia de algo não vivido. Mas sentido.
E esse nome, o teu nome, a única coisa que nos une, sobrevive sempre à minha lucidez, à minha vontade, à distância infinda - intransponível - de mim a ti, de ti a mim.
O teu maior defeito - costumam dizer-me - é deixares o coração render-se ao sonho - sempre perto, sempre longe - ao voo, ao impulso da imaginação. O meu maior defeito - digo eu - é este permanente desejo de abalar ao encontro de um nome e ter os pés atados à soleira da porta.
Às vezes - quantas vezes - zangada com o meu coração, ralho-lhe - Não te dás conta, doido, que a vida é um jogo perigoso? Corações iguais a ti, que sentes e bates num canto qualquer de mim, estão condenados a nada se ajustar à emoção que deles emana. Lembra-te das borboletas que rodopiam, estonteadas de luz, à volta do brilho e da chama das candeias. Qual o seu fim? Esvoaçam, esvoaçam em círculos cada vez mais apertados, deslumbradas pela luz que as cega, pelo calor que as entorpece, e acabam, exaustas, por se render ao ritual da entrega definitiva.
E o coração responde-me invariavelmente - Não terá valido a pena o sacrifício? Um momento, um só momento de luz não compensará esse último voo? O calor derradeiro não ofuscará a vertigem do frio do medo?
Louco! Louco coração! Vivendo de desvairadas quimeras, esquivas miragens. Escuta a razão, louco! A candeia é o abismo. O fascínio é a dor disfarçada de prazer. O prazer que é, afinal, a dor, conduz, impreterivelmente, à morte. Quantas vezes morreste já?
E ele, inconsciente de cegueira, aceso de sonhos, insiste - Talvez eu seja imortal… Se já morri tantas vezes e tu sempre dizes que te dói o coração… Perdoa-me. Condeno-me, condenando-te.
Insano coração! Sempre que morre, renasce, fortalecido, na dor. Por isso me dói. Dói-me quando tento riscar-lhe o teu nome; dói-me quando tento exilar-te para lugares recônditos do esquecimento; dói-me quando, no espaço da ferida aberta, o teu rosto surge, de novo, brincalhão, trocista, apelativo, e me impele a desejar dizer-te - Dói-te o coração, amor? Fui eu que morri.

AMS