sexta-feira, outubro 20, 2006

Os animais são nossos amigos

Às vezes, a vida fica-me atravessada na garganta. Ou serão as pessoas?! Não consigo, decididamente, perceber o motivo que nos leva a complicar tudo e a transformar a nossa existência num caos. Numa chatice. Num inferno. Por isso, e em certas ocasiões, prefiro o contacto pacífico, amistoso - sem neurastenias - com os chamados animais irracionais.
Quando olho para trás - e tenho tempo para pensar, o que se torna difícil atendendo a estes novos horários escolares - revejo os animaizinhos que já passaram pela minha vida. Desde gatos, hamsters, tartarugas, peixes… houve de tudo. Muitos - quase todos - já partiram, é certo, mas o afecto prolonga-se até hoje. Ficaram boas lembranças per saecula saeculorum. Não entrámos em litígios. O tempo não branqueou o que nos uniu e o amor não virou ódio. Em suma, aconselho-os vivamente a experimentarem partilhar o vosso quotidiano com um "não-falante". Garanto-lhes que não será preciso repetir-lhe constantemente - Não me trates mal… que eu preciso muito de afecto. Eles sabem. Eles adivinham. Eles têm poderes balsâmicos. Eles não exigem que sejamos bonitas, boas - a língua portuguesa é, efectivamente, muito traiçoeira - caladas e burras.
Assim sendo, e em homenagem a todos esses adoráveis bichinhos que fizeram com que a minha vida fosse uma eterna época natalícia, passo a relembrar alguns dos episódios mais marcantes que vivi com eles.
Comecemos pelos hamsters - Tristão e Isolda. Em abono da verdade - que me perdoem as almas mais sensíveis - o nosso relacionamento - o meu e o deles, é claro - não foi propriamente o chamado amor à primeira vista. Nem à segunda. Nem à terceira. Na realidade, detesto ratos. A minha sogra - sempre atenta a estes detalhes, penso eu - resolveu, pois, mimosear a minha filha com dois - sempre a mania das grandezas - destes deliciosos roedores. Por pura ironia do destino - não existiu intencionalidade, acreditem - a primeira vez que peguei num deles, horror dos horrores, deixei-o cair num balde com detergente. Perante mil olhares acusadores - como me senti monstruosa! - quase me vi impelida a fazer uma repulsiva respiração boca-a-boca. Valeu-me a vontade de viver do Tristão que, contrariando a história trágica dos dois desgraçados amantes, resolveu sobreviver, dar-me uma dentada e lamber, histericamente, o pêlo. Não deve ter ficado traumatizado. Mal o meti na gaiola, rolou, rolou e rolou. Bem, nem sempre rolou. Algum tempo depois, em lugar de dois “fofinhos” tinha… nove.
Seguiu-se a fase dos anfíbios. Com direito a palmeira e a duas tartarugas minúsculas e, aparentemente, afáveis. Aparentemente. Subitamente, vejo-me em casa com uma nova versão do respeitável Dr. Jekyll e do diabólico Edward Hyde. Recusavam a comida enlatada. Exigiam fiambre e mortadela.Cresciam a olhos vistos e, novamente, o meu dedo se viu acariciado por um daqueles querubins. As minhas noites transformaram-se num tormento. Estava a criar dois canibais sôfregos e assustadores. Valeu-me a ideia brilhante - não, não é só o eng. Sócrates que é um iluminado - de presentear os meus sobrinhos com aquelas pestes carnívoras. Em troca, veio o Jardel. O jogador? Não, o gato. Foram tempos deliciosos. Ele resolveu alargar os seus domínios até às camas. Eu resolvi assumir, firmemente, a minha posição de proprietária. A luta foi titânica. Várias vezes os "edredons" foram para lavar a seco. Várias vezes o insolente Jardel se deparou com a raiva em pessoa atrás dele. Exceptuando esta luta pelo poder, a nossa relação era cordial e, frequentemente, cheia de cedências da minha parte. No fundo, eu adorava o snobismo, a arrogância, o orgulho e a desobediência do bichano. Para desgosto de todos, todavia, a alergia da minha filha ao pêlo do felino obrigou-me, mais uma vez, a ofertar um amigo e a acenar, novamente, um sentido adeus.
O luto nunca mais passava. O Jardel tinha deixado marcas por tudo quanto era sofá e, sobretudo, nos nossos corações. Que fazer? Como mitigar tamanha dor? A resposta não tardou. Peixes. Peixinhos. Coloridos. Vivos. Inofensivos. E, de novo, a alegria reinava nos nossos corações. Montámos o aquário. Comprámos plantas; produtos para a água; objectos decorativos e, finalmente, os ansiados peixinhos. Alguns peixões. Termómetro. Filtro. Vitaminas. Mais variedade de vitaminas. Maternidade. Enfim, era o paraíso. Ou quase. Rara era a semana que não nos presenteava com um funeral. Lágrimas. Culpas não assumidas. Em contrapartida, quando havia nascimentos - e até com peixes se trata de um momento mágico - era um delírio. Bem, isto quando alguma mãe - sem instinto maternal ou receando a depressão pós-parto - não resolvia engolir os filhotes…
Porém, e repetindo velhos dramas, o fim foi trágico. No final de umas férias, ao entrar em casa, deparei-me com um cenário dantesco. Os peixes estavam literalmente cozidos. O termostato tinha avariado e, consequentemente, uma terrível chacina atingira todos os habitantes marítimos. Chorei. Continuei a chorar, jurando que nunca mais queria animais em casa. Excepto o Mike. O Mike? Sim, um peixinho vermelho que não faz outra coisa senão circular. Como circular é viver, pensei, este vai viver uns bons anos. Vá lá uma pessoa fiar-se em slogans ! Não é que o Mike esteve para ir até ao céu dos peixes, esta semana?! Como?! Imaginem a cena: uma mãe chata - chatérrima - que, insistentemente, pergunta - Já deste de comer ao peixe? Será que ele ainda está no aquário? Porquê?! A água está tão turva que nem sei se saiu … Deste-lhe de comer… ontem???!!! Tu não comes todos os dias?! Mas, afinal, de quem é o peixe?! Continuem a imaginar, por favor. De súbito - Mãeeeeeeeeee, mãeeeeeeee, o peixe morreu! Morreu?! Ele estava bem vivo até eu te mandar mudar-lhe a água… Que foi que aconteceu? Não sei. Ele ficou branco e deixou de mexer. Branco?! Querem ver que lhe deu um A.V.C.?!Ó meu Deus, onde andas tu com a cabeça, I...? A água está a ferver, porra! Não admira a palidez do desgraçado. Não morras! Não morras, por favor. Agora é que tu pareces o Michael Jackson… todo branco. Água fria! Põe a torneira na água fria! Não morras… Prometo que te compro um aquário rectangular. Deixas de circular, fica combinado.
Uffff…. Não morreu! Ficou branco que nem cal, é certo. Mas ressuscitou e ainda continua a circular. A culpa é da ministra da educação que não me dá uma tarde livre para poder ir às compras. Entendido?
Caros leitores, sigam o meu conselho - adoptem ou comprem um animal. Afinal, os animais são os nossos melhores amigos. Estão sempre do nosso lado… mesmo quando se preparam para nos morder o dedo. Adoram-nos - apesar dos nossos defeitos. E há tanta variedade… Se não gostam de gatos, comprem um cão; se não querem tartarugas, comprem uma iguana; se detestam a bonomia dos peixes, comprem um papagaio; se têm espírito aventureiro, adoptem um lobo, um crocodilo, uma anaconda… Não interessa a classe. Levem um animal para casa. Vão ver que vale a pena repensar prioridades. Porque, caros amigos, ele vai gostar sempre de vós. Porquê? Porque sim, ora!

AMS