quinta-feira, outubro 19, 2006

Testamento

Aos meus amigos, àqueles que, na minha vida, do amor fizeram a seiva mais doce que alguém pode partilhar, deixo uma ilha de palavras desenhando a beleza minuciosa da amizade, o meu porto de abrigo, e tudo aquilo que soube sentir, mas não consegui dizer.
Deixo, ainda, um coração descompassado, rebelde, imperfeito, quantas vezes magoado, a quem lavei a tristeza nas dobras do sonho e em memórias que não sei dizer se foram saudade ou apenas o rumor da minha ansiedade.

Aos meus não amigos, àqueles que, no logro dos artifícios e no crepitar de desatentos, secos gestos, de mim sempre se ocultaram, deixo a entrega deste instante e a minha errante fuga; fuga de uns olhos com medo de ver o afastamento; fuga de um abraço que temeu tocar o apenas visível; fuga de uma alma com medo de se desnudar.
Deixo-lhes, também, um céu muito azul, uma noite estival perfeita de luz e a luminosa precisão dos caminhos que os levem sempre até aos outros ainda que na contraluz do silêncio.

A ti, que me ensinaste que precisamos de ser amados, deixo as palavras que nunca pude arrancar de mim. Deixo-te o aconchego desta ternura de sol poente, esta nascente infinda de bem querer-te e o fogo da emoção com que a minha alma te sabe e sente.

AMS