domingo, outubro 22, 2006

Nunca aprendi a tua alma

Decorei o teu rosto, os teus gestos, a voz e o cheiro que te pertenciam. Aspirava-os através da plenitude da entrega. Sabia de cor os teus traços, o teu sorriso, o voo do teu olhar. Poderia pintá-los com a tinta da ternura e de outras intrusas emoções. Porque, ainda que retida no cais de inglórias ilusões, sentia a claridade do teu sorriso, e o teu olhar - agora de outrora - cercava-me de lumes estonteados de avassaladora loucura.
Nunca se pode ter tudo para sempre. Assim, a memória do que foi presente chegava-me. Era suficiente para matar a sede do meu cansaço sempre que a tua imagem atravessava o meu coração. Ela ancorava dentro dele. Tu vivias dentro dele. Eu ficava sempre no epicentro de um instante que pairava - mas nunca acontecia - e acabava por desaguar em lembranças, nostalgias, silêncios.
Nunca te disse tudo quanto era necessário dizer. Talvez porque o tudo era feito de asas suspensas num sorriso, num olhar, numa expectante palavra jamais consumada.
Decorei o teu rosto. Os teus gestos. A tua voz. O teu cheiro.
Nunca aprendi a tua alma.

AMS