quarta-feira, outubro 25, 2006

"Chega-te a mim e deixa-te estar"

Devo começar por confessar que a minha relação com as chamadas acções de formação se resume, ultimamente, a uma necessidade urgente de créditos. A experiência, salvo raras e gratificantes excepções, tem-me provado que a única coisa que a minha memória tem registado neste tipo de formação se resume a um sem número de horas desprovidas de qualquer interesse e a uma vontade imensa de gritar - até sempre!
A verdade, porém, é que a necessidade é mãe de muitos erros, desgraças e outros “eventos” que tais. E, assim, dou por mim, qual peixe mordendo o isco, a inscrever-me nestas modalidades de acesso a um novo escalão, tão cheia de ingenuidade como de perversa intenção. “Erros meus, má fortuna" - do belo soneto de Camões só consegui adaptar este pequeno excerto a esta croniqueta. Julgo que dá para perceber…
Eis-me, pois, inscrita, nestes últimos dias, num destes cursos acelerados. As expectativas eram nulas. A paciência pouca. O sofrimento excessivo. Levantar-me cedo - logo eu que odeio o bucolismo das manhãs, na cidade. Primeiro, porque as ditas… de bucólicas têm pouco; segundo, porque só mesmo a dormir se poderia julgar ouvir o trinar de um passarinho a dar-nos coragem para um dia que mal começou e que, pressentimos, irá acabar mal.
É certo que cada um de nós tem os seus fundamentalismos. Eu abomino estar fechada numa sala, caneta e papel prontos para desenhar, rabiscar ou divagar, olhar estoicamente atento a um palco por onde passam as mais doutas sapiências e uma cara de enjoada capaz de fazer “inveja” à mais incomodativa gravidez.
Há, no entanto, que aguentar. Lá volta a necessidade a fazer das suas… Há que acreditar que aqueles teóricos - sim, que eu gostava mesmo era de os ver a aplicar aquelas teorias na “arena” - se calarão… finalmente. Acreditar que, um dia, seremos todos felizes - alunos, professores e pais.
Hoje, todavia, o destino pregou-me uma partida. E veio provar que qualquer pessoa, quando motivada, adere, entusiasticamente, ao universo superior da cultura. Palavra que não estou a ser irónica. Foi isto mesmo que aconteceu. Depois de ter “ouvido” um padre - professor catedrático, pois - dois psiquiatras, um psicólogo e uma jurista abordarem a temática - Por uma pedagogia diferenciada - dou por mim a seguir, atentamente, as palavras do psicólogo Eduardo Sá. O homem é, efectivamente, um sedutor nato. De plateias, quero dizer. Tem uma voz bem modelada, sorri - criando empatia - fala, aparentemente, sem grandes planificações, gosta de provocar reacções - a favor ou contra o que defende - e, logicamente, conquista a atenção dos ouvintes. Não apresentou receitas - aliás, nenhum dos outros o fez. A grande diferença é que não nos propôs buscar novas “terras”; defendeu, apenas, que deveríamos olhar para aquelas onde vivemos, mas com outros olhos. Simples? O ovo de Colombo também parecia uma ideia linear, não? Mas só ele conseguiu colocá-lo de pé.
Hoje, aprendi um pouco mais. Como professora. Como pessoa. Aprendi que as pessoas se aprendem mutuamente. Aprendi que acreditar na vida e querer ser feliz é mais importante do que saber o que são hipónimos ou resolver equações do 2º ou 3º graus. Aprendi que a vida não tem de ser um mar de insucessos e, sobretudo, que não é razoável que a carreira esteja à frente do que é preponderante - amar. Ganhar outra vida na vida. Aprendi, também, que conhecer é tocar. E que nos tocam sempre que nos dizem - “Chega-te a mim e deixa-te estar”.
Segunda-feira, os meus alunos não terão, com toda a certeza, uma professora mais iluminada. Deparar-se-ão, todavia, com alguém que tentará com toda a convicção privilegiar o seu relacionamento com eles... em português suave - não confundir com "em banho-maria". Com firmeza. Com disponibilidade. E, acima de tudo, fazendo-os sentir sentidos.

AMS