domingo, outubro 22, 2006

O Circo!

"Quando todos fecharmos os olhos e os voltarmos a abrir, será possível ver, construir e criar um mundo diferente, mais justo, mais livre." – Ensaio sobre a cegueira de José Saramago

Viver uma experiência é bom, mas contá-la ainda é melhor. Não bastava a luminosa ideia da mudança da idade da reforma - o futuro apresenta-se velho, caquético, cansado e cheio de frustrações - ainda era preciso obrigar os docentes ( não sei por que motivo ia escrever pacientes) a participar em mais jogos pirotécnicos. Assim, a senhora ministra da educação, que já expressou o seu veemente desejo de trabalhar até aos 70 anos - só espero que não seja a ocupar este cargo político - lançou novas e “gratificantes” medidas, no mercado. A mais surrealista, sem dúvida - até consegue fazer esquecer o congelamento das carreiras - tem a ver com a obrigatoriedade de ocupação plena dos tempos escolares por parte dos professores. Deste modo, e segundo a ministra, extinguir-se-á o insucesso escolar, os pais e encarregados de educação passarão a ter os seus descendentes cativos nas escolas quase todo o dia - desresponsabilizando-se dos seus deveres de pais - os professores - cambada de malandros sempre em férias - aprenderão a saber como elas doem e o engenheiro Sócrates respirará de alívio e poderá, quiçá, dedicar-se a fazer explodir mais umas torres, na companhia de uns tantos pindéricos que, atónitos, encenam, divinamente, o papel de saloios a admirar o lançamento do primeiro foguetão português, à lua. Confesso que tanta demagogia, tanta atrofia mental me comovem. Eu sei que tudo isto, no fundo - e à superfície - não tem piada nenhuma. Mas que pode uma simples professora fazer contra todos estes pequenos deuses que, nos seus gabinetes climatizados, mandam palpites - sem perceberem nada de nada - qual manta de retalhos?! Fugir? Sim, já pensei nisso… A situação que se vive é de tal forma caricata e trágica que, por mais fartos que estejamos, já perdemos toda e qualquer ilusão. Custa apercebermo-nos que, neste país, é mais fácil não ver… os erros; mais penoso, porém, é constatar que há quem olhe, mas finja não ver.
O engraçado de tudo isto é que cada escola entende a lei à sua maneira. Daí, uns professores serem obrigados a cumprir 22 horas, outros 25, outros 26, outros 27 e outros 28. Bizarro, não? Numa coisa, todavia, estão as doutas cabeças de acordo: para a preparação de aulas com a tal excelência exigida - sim, que já não basta ser bom. É obrigatório sermos todos excelentes... - bastam… 7 horas, ou seja, preparar aulas, elaborar e corrigir testes, fichas, etc… tudo isso requer, tão-só, umas míseras 7 horas. Isto, claro, segundo as tais mentes brilhantes. E "excelentes"?!
Eu, pelo sim pelo não, vou cronometrar este tempo (as ditas 7 horas) até ao último segundo. Finalizado este parco período, e ainda que esteja a meio da correcção de uma pergunta, aviso os alunos - Meus amigos, agora só continuo a correcção, na próxima semana. O meu plafond acabou-se.
É nestas alturas, caros leitores, que relembro a talentosa Shirley Maclaine no filme "Flores de Aço". Dizia ela que não era maluca. Apenas andava de mau humor... há dezenas de anos. Eu estou de mau humor e, lúcida e sinceramente, receio ficar maluca. Senão, reparem: na minha escola, estão requisitados para a sala de estudo, em cada bloco de 90 minutos, não sei quantos professores. Cabe na cabeça de alguém tal disparate? Que vão fazer estas brigadas de choque, ao longo do dia? Ingenuamente, ainda ousei opinar, timidamente, numa reunião de departamento, que sempre poderíamos criar um rancho folclórico ou até mesmo um grupo coral - tipo grupo dos “ceguinhos” de Ermesinde, estão a perceber? Ninguém acatou, seriamente, as minhas sugestões, é claro. E é pena. A continuarem, firmes e hirtas, aquelas decisões, receio que o "excelente" Engº Sócrates, a muito curto prazo, se depare com um horripilante problema - a maior parte do corpo docente enlouqueceu ou está em vias de… Sim, eu sei, com a eficácia já demonstrada por este governo, em pouco tempo será lançado um livro com o seguinte título - Terapia de Choque para Professores Traumatizados. A questão, caros amigos, é saber se a terapia irá a tempo de salvar os tais piquetes de professores. Os tais - não, pelos vistos não são os do gostinho especial! - que este governo, habilmente, descobriu serem fonte de todos os malefícios, pestes e pragas que invadiram os portugueses, de há uns anos para cá.
Mas há mais. Não acreditam? Já pensaram no espaço necessário para os ditos “acampamentos”? Pois é… Bem, claro que é sempre possível fazer o que, diabolicamente, engendrou o CE de uma escola cujo nome vou omitir. Faltavam salas? Qual o problema? Foram à biblioteca e dividiram-na ao meio; orgulhosos, visitaram a cantina e… roubaram-lhe uns metros; felicíssimos, repararam num corredor em L e… zás, toca a furtar o L ao corredor. Resultado - 3 novos espaços para salvar os alunos do terrível insucesso escolar. Ainda dizem que não temos arte nem engenho! O que é preciso, na verdade, é narcisismo, imaginação fértil e muita lata. Duvidam?
Portuguesmente pensando - num espontâneo e genuíno brio patriótico - só apetece dizer como o pragmático Dâmaso Salcede - “…eu cá, à cautela, ia-me raspando para Paris…”. Pensando melhor - retiro, portanto, o "portuguesmente" - o ideal era mandar (pirar, raspar) este governo… para o Iraque!
Haja (ainda mais) paciência!

AMS