quarta-feira, outubro 25, 2006

Compromisso final

«Isaac:

Lembras-te quando brincávamos os dois? Lembras-te quando te mostrava mapas e fotos e te dizia onde tinha estado e o que tinha feito? Lembras-te das perguntas que te fazia para te ajudar a seres rápido e para te pôr à prova?
Gostaria de te dar um abraço, irmão. Estive pouco presente.
Mas faço o melhor. Para todos. Para mim.
Vou fazer-te a última pergunta da minha vida. Tens muitos anos para lhe responder Não te esqueças dela. Pensa nela.
Isaac, sabes o que faz um homem com um garfo numa terra de sopas?
Se um dia encontrares a resposta, grita-ma. Ouvir-te-ei. Eu já a conheço, mas enquanto para mim é tarde, para ti ainda não é e nunca será.
Isaac, não sejas demasiado severo quando me julgares.
Lamento-o. Acredita-me. Lamento-o muito mais do que possas imaginar. Não fujo por cobardia. À falta de melhor, faço-o por dignidade, mas nunca por cobardia. Perdoa-me. Não é uma fuga, nem um abandono. Há coisas que, simplesmente, são como são e não as podes mudar. Pela minha memória, por favor, procura ser o melhor jornalista que possas, e também o mais honesto. Neste mundo a honestidade é a única coisa que nos diferencia uns dos outros. Uma pessoa honesta é uma pessoa boa. Gostaria de te dizer mais qualquer coisa, mas não posso. Pelo papá, pela mamá, por ti. Não posso. Não me esqueças, Isaac. Gosto muito de ti».

(…)

- Já sei o que faz um homem com um garfo numa terra de sopas, Chema. – murmurou com algo mais do que terna amargura. – É tão simples que me parece ridículo, mas suponho que todas as grandes verdades são simples – olhou fixamente a lápide e acabou por dizer:- Um homem com um garfo numa terra de sopas, bebe e come com as mãos, porque o garfo não lhe serve para nada nem nunca lhe irá servir. E essas mãos são tudo o que tem, da mesma maneira que o ser humano na vida apenas tem a sua honestidade para a viver. Há muitas terras cheias de sopa, carregadas de cores, convidando-te com cantos de sereia, oportunidades, êxitos, luxos… mas a única colher para apurar a existência reside em nós mesmos. Mãos e coração. Não te esquecerei, prometo-te.
Não precisou de o gritar, como lhe tinha pedido Chema na sua carta póstuma. Sabia que o podia ouvir, do outro lado da lápide ou onde estivesse.
O compromisso final.

Um homem com um garfo numa terra de sopas
Jordi Sierra i Fabra